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20/05/2023 às 09h18min - Atualizada em 24/05/2023 às 00h02min

Os efeitos da manipulação de resultados e a necessária regulamentação das apostas esportivas

A falta de uma legislação aprimorada com certeza é uma causa que beneficia más práticas e ilícitos penais.

SALA DA NOTÍCIA MP News



Eduardo Mauricio*, Victor Augusto Bialski** e Victor Sordi***

Não é de hoje que o futebol brasileiro sofre com esquemas de manipulações de resultados. Em 2005, por exemplo, tivemos conhecimento do primeiro grande escândalo envolvendo o futebol nacional, conhecido como “Máfia do Apito”, no qual árbitros de futebol foram acusados de manipular partidas do Campeonato Brasileiro daquele ano. 

Nos últimos dias, o esquema de manipulação de resultados voltou à tona com a operação “Penalidade Máxima”, promovida pelo Ministério Público Estadual do Estado de Goiás. A operação estampou os noticiários, revelando o envolvimento de diversos jogadores que, a mando de apostadores, se comprometeram a realizar atos premeditados em algumas partidas. 

Tais atos geram diversas repercussões dentro e fora de campo, especialmente na esfera jurídica, podendo ensejar medidas disciplinares, contratuais, trabalhistas e criminais, como consequências. 

Na esfera disciplinar, primeiramente deverá ser analisada em qual competição a infração foi cometida. Por exemplo, caso a manipulação tenha ocorrido em uma partida da Copa do Mundo, torneio organizado pela FIFA, o ato infringirá o artigo 20 do Código Disciplinar e art. 30 do Código de Ética, ambos da federação internacional. 

Por outro lado, caso a manipulação tenha ocorrido no Campeonato Brasileiro, a Procuradoria do STJD será encarregada de oferecer denúncia com base nas tipificações previstas nos artigos 240 a 243-A do CBJD. Dependendo da infração as sanções disciplinares podem envolver o pagamento de multas pecuniárias de R$100 a R$100.000, além de suspensões de meses até uma pena de eliminação, dependendo da gravidade, como em caso de reincidência. 

Importante frisar, que atletas que receberem propostas de aliciadores e deixarem de informar às autoridades competentes poderão ser denunciados por omissão, nos termos do Art. 191 do CBJD. 

A CBF, por sua vez, também estabelece disposições referentes ao combate a manipulação de resultados. As principais disposições se encontram no art. 65 do Regulamento Geral de Competições, bem como nos arts. 18 e 19 do seu Código de Ética. 

Em linhas gerais, o incidente também poderá gerar repercussões contratuais, como a rescisão do contrato especial de trabalho desportivo por justa causa pelo Clube empregador. Já o patrocinador do atleta, além de rescindir o contrato também poderá ajuizar uma ação indenizatória em face do jogador, caso entenda que a imagem da empresa foi prejudicada pelo seu envolvimento no esquema. 

De outro giro, quando nos referimos as consequências no âmbito criminal, importante realizar com muita cautela a análise técnica, justamente porque há diversas questões que envolvem a manipulação de jogos, principalmente quando grupos criminosos se utilizam do esquema para dissimular e ocultar valores, obtidos de modo ilícito, como se tem visto nos noticiários e nas investigações em andamento. 

Isso ocorre porque a legislação vigente ainda está em uma zona cinzenta e defasada, sendo que pessoas com intenções escusas acabam aproveitando disso para obter vantagem ilícita.  

Um grande exemplo, é o Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/2003), o qual prevê as sanções criminais em caso de manipulação de partidas (artigos 41-C, 41-D e 41-E). Referidos dispositivos foram instituídos há cerca de 10 anos, e não acompanharam a evolução da era digital, que acabou aprimorando o modus operandis de grupos criminosos. Logo, com o surgimento de novas modalidades de apostas, estas recaindo em questões incidentais do evento, como número de escanteios, laterais, faltas, cartões amarelos, entre outras, também abriu um leque maior para o esquema poder operar. 

Ora, a realidade dos crimes cometidos pode alcançar prejuízos catastróficos, uma vez que quando organizações criminosas começam a “comprar” jogadores para obter resultados específicos nos sites de apostas, muitas vezes estarão aproveitando para lavar o dinheiro de origem ilícita, sem mencionar que na maioria dos casos, é extremamente dificultoso a identificação do dolo do jogador nas questões incidentais da partida. 

Em relação aos atos de lavagem, importante salientar que como o dinheiro poderá se tornar digital e, vemos rotineiramente fraudes através de criptoativos, uma das necessidades que está em pauta é a fiscalização das apostas para que o dinheiro não perca o lastro no universo das criptomoedas, devendo ser observada inclusive o programa de lavagem de dinheiro (“PLD”) e compliance financeiro dentro das casas de apostas. 

A falta de uma legislação aprimorada com certeza é uma causa que beneficia más práticas e ilícitos penais. Aliás, no final de 2018, o então Presidente da República, Michel Temer promulgou a Lei nº 13.756/2018, que legitimou as apostas de quota fixa no país, entretanto, sem que houvesse a regulamentação adequada do setor, o que gerou uma grande insegurança jurídica. 

Mencionada legislação imputou uma série de obrigações de natureza contábil, administrativa e fiscal a casas de apostas, mas deixou de impor obrigações envolvendo os malefícios sociais que as apostas podem gerar, como é o tema que estamos presenciando nos últimos dias. 

Obrigações advindas da lei, como a criação de canais de denúncia para casos de manipulação, programas anti-vícios e investimentos em programas de integridade e conscientização poderiam surtir como boas opções para a casa de aposta mitigar o seu impacto no esporte e na sociedade. 

Diante de todo o alvoroço, foi noticiado a instalação na quarta-feira (17/05/2023) a CPI das Apostas Esportivas, cumulado com uma possível Medida Provisória das Apostas Esportivas, a qual basicamente visa fiscalizar e inibir o esquema de manipulação.  

Como a matéria das apostas de quota fixa ainda não está regulamentadas por completo, hoje o poder público possui a oportunidade de rever certos tópicos para estabelecer medidas que visem atenuar os malefícios desportivos e sociais causados pelo setor.  

As medidas que serão incluídas pelo governo ainda são incertas, mas certo é que a manipulação de resultados e os atos que giram em torno deste esquema além de prejudicar a integridade da competição esportiva, também prejudica diversas camadas da sociedade.  


Por isso, o amplo estudo do tema se torna necessário, inclusive usando como comparação outros países que já possuem este segmento há mais tempo, que é fundamental para implementar uma regulamentação dotada de medidas preventivas e repressivas, que sejam atuais e efetivas em todas as esferas. 
*Eduardo Mauricio é advogado no Brasil, Portugal e Hungria, presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Internacional instituída pelo Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – Abracrim, membro da Associação Internacional de Direito Penal de Portugal (AIDP – Portugal )  e da Associação Internacional de Direito Penal AIDP – Paris, pós-graduado pela PUC-RS em Direito Penal e Criminologia, pós-graduado em Direito Penal  Econômico Europeu, em Direito das Contraordenações e Especialização em Direito Penal e Compliance, todos pela Universidade de Coimbra/Portugal, pós-graduado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) Academy Brasil –  em formação para intermediários de futebol, pós-graduando pela EBRADI em Direito Penal e Processo Penal, pós-graduado pela Católica – Faculdade de Direito – Escola de Lisboa em Ciências Jurídicas e mestrando em Direito – Ciências |Jurídico Criminais, pela Universidade de Coimbra/Portugal 
**Victor Augusto Bialski é advogado criminalista na Bialski Advogados Associados, pós-graduado em Direito Antidiscriminatório e Diversidades pela Damásio Educacional. Especialista na Lei de Drogas pela Faculdade Alves Lima (FAAL), mantida pelo Instituto de Estudos Jurídicos (IEJUR), pós-graduado em Direito Penal e Criminologia pela PUC-RS, pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal Aplicados pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI), advogado associado ao IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) e ao IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) e membro do ICCS (International Center for Criminal)
***Victor Sordi é advogado, mestre em direito desportivo internacional pelo ISDE, coordenador da área de Direito Desportivo do escritório Franco Montoro e Peixoto Advogados
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