A avaliação é do brasileiro Tiago Rogero e da estadunidense Nikole Hannah-Jones, que comandam as produções jornalísticas Projeto Querino e o The 1619 Project, respectivamente. Eles participaram, na manhã desta segunda-feira (18), da abertura do 7º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, em mesa com o tema Educação antirracista: a voz preta na história. O evento ocorre até esta terça-feira (19), em São Paulo.
Segundo ela, foram os negros americanos que movimentaram as ideias revolucionárias de liberdade, as quais são valores fortemente reivindicados pelos estadunidenses. Nikole questiona o mito de que a democracia foi criada pelo branco, tendo em vista que não se trata de democracia quando se excluem mulheres e negros. “Escravidão e Estados Unidos nasceram no mesmo dia”, disse.
O processo de Independência no Brasil também é recontado numa perspectiva afrocentrada no Projeto Querino. O nome do projeto jornalístico é uma homenagem ao intelectual Manuel Raimundo Querino (1851-1923), jornalista, professor e abolicionista que, em 1918, publicou O colono preto como fator da civilização brasileira, obra que trata do protagonismo dos africanos e dos afrodescendentes para a formação do Brasil.
“Nosso apartheid nunca foi por meio de leis, mas ele está posto. Ynaê [Lopes, historiadora e consultora do Projeto Querino] sempre fala que o Brasil nunca precisou de leis segregacionistas, que a segregação se dá na prática”, disse Rogero.
Ele lembra, como uma das narrativas contadas no podcast, que a primeira Constituição do Brasil definia quem era cidadão e já trazia uma forma de fazer com que as pessoas negras não fossem incluídas. “Ela dizia que o africano, ainda que fosse livre, não poderia se tornar cidadão”, disse. Ele destaca que a Constituição foi imposta. “Tinha uma assembleia montada para fazer a Constituição, Dom Pedro I discordou, dissolveu e impôs”, disse.
No Brasil, a Lei 10.639, que incluiu oficialmente nos currículos escolares o ensino de história e cultura afro-brasileiras, completou 20 anos este ano. Duas décadas depois, os desafios permanecem: sete em cada dez secretarias municipais de Educação não realizaram nenhuma ação ou poucas ações para implementação da lei, aponta pesquisa divulgada, em maio deste ano, pelo Instituto Alana e Geledés Instituto da Mulher Negra.
“A lei é fruto da luta histórica do movimento negro para que a história do Brasil seja entendida de maneira mais diversa, mas a lei está lutando contra uma longa história. A fundação da ideia de Brasil se faz em cima de uma ideia que é majoritariamente branca, ou preferencialmente branca. E essa é uma escolha que é reiterada ao longo da história pelo Estado Nacional brasileiro”, aponta Ynaê Lopes, professora de História da Universidade Federal Fluminense e consultora em História do Projeto Querino.
Ela lembra que a consequência de não avançar com perspectivas mais diversas da história do país resultam na manutenção do racismo.
“A educação, infelizmente, foi a ferramenta mais importante para que isso acontecesse. Quando a gente não revisita a maneira como a gente aprende, mantém-se esse status quo, e esse status quo é racista propositalmente. A gente acha que sempre foi assim e sempre tem que ser, mas não, o racismo é uma escolha cotidiana”, disse.
Ao mesmo tempo, ela lembra que jornalismo e educação podem ser potentes ferramentas antirracistas.
A programação do 7º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, promovido pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca), segue até esta terça-feira. Entre os temas a serem debatidos, ataques às escolas, tecnologia, novo ensino médio e educação midiática. O evento tem como tema central o papel da educação na transformação da sociedade e as relações entre o jornalismo de educação.