Teimoso não só provocou um imenso congestionamento na cidade por causa da curiosidade dos motoristas, como também mobilizou a população em uma campanha pela despoluição do rio Tietê. A persistência de Teimoso em sobreviver nas águas degradadas o tornou um símbolo na luta pelo Tietê, mobilizando a sociedade a se envolver nesse esforço. Em 1992, durante a ECO-92, no Rio de Janeiro, um abaixo-assinado com mais de 1,2 milhão de assinaturas foi entregue ao então governador de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho, exigindo a despoluição do rio.
Neste ano, o monitoramento do rio, que é feito com apoio de voluntários, demonstrou que a mancha de poluição do Tietê continua crescendo e que a água de qualidade imprópria para usos múltiplos se estende hoje por 160 quilômetros. Isso significou, segundo a SOS Mata Atlântica, um aumento de 31% em relação a 2022, quando a mancha atingiu 122 quilômetros. Na comparação com 2021, quando representava 85 quilômetros, a mancha praticamente dobrou, o que gerou alerta na ONG. O dado foi divulgado na tarde desta terça-feira (19), em São Paulo, durante cerimônia que celebrou os 30 anos de existência do programa de monitoramento da qualidade de água pela SOS Mata Atlântica.
“[O resultado] é um alerta porque a gente manteve uma qualidade que está regular. Em alguns pontos, melhorou um pouco, mas em outros pontos piorou um pouco, o que deu uma certa estabilidade. A gente precisa ter trabalhos específicos muito fortes para melhoria [da qualidade da água do Tietê]. E não é só o saneamento básico [que vai resolver este problema]. O saneamento básico é uma peça importante, mas tem outras ações que envolvem municípios, empresas, agricultores, comerciantes e cidadãos para que, juntos, possamos ter, de fato, uma melhoria no rio”, disse o coordenador do Observando os Rios da SOS Mata Atlântica, Gustavo Veronesi, em entrevista à Agência Brasil.
Para Veronesi, o aumento das manchas foi “a grande surpresa” do relatório divulgado neste ano. “A gente esperava que houvesse uma redução significativa da mancha e isso não aconteceu; houve aumento.”
Dos 160 quilômetros com água imprópria devido à poluição, 33 quilômetros indicaram uma qualidade péssima. O restante, indicou qualidade ruim. A mancha de poluição foi observada do vão da nascente até a cidade de Barra Bonita, na Hidrovia Tietê-Paraná.
Para Andrea Ferreira, responsável pelo Projeto Tietê, da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), o aumento da mancha pode ser explicado por diversos fatores, como o regime de chuvas, a poluição difusa e o aumento das ocupações irregulares. Segundo ela, a despoluição do Tietê é um “desafio enorme”, e os resultados divulgados hoje pela SOS Mata Atlântica demonstram que é preciso “ampliar o tratamento de esgoto”. Assim como Veronesi, Andrea disse que somente uma ação conjunta vai conseguir resolver o problema do rio. “A despoluição do Rio Tietê, ou de qualquer rio, não depende de um só, depende de todos.”
Maior rio paulista, com 1.100 quilômetros da nascente à foz, o Tietê corta o estado de leste a oeste, atravessando áreas urbanas e municípios de importante produção agropecuária. É dividido em seis unidades de gerenciamento de recursos hídricos, também chamadas de bacias hidrográficas.
O trabalho desenvolvido pelo Observando os Rios envolve 41 grupos de voluntários em 28 municípios, incluindo 18 pontos na capital paulista. A avaliação abrange 16 indicadores, seguindo o Índice de Qualidade da Água. O monitoramento foi realizado ao longo de 576 quilômetros, em 59 pontos de coleta distribuídos por 34 rios das bacias hidrográficas do Alto Tietê, Sorocaba/Médio Tietê e Piracicaba, Capivari e Jundiaí, que abrangem 102 municípios das regiões metropolitanas de São Paulo, Campinas e Sorocaba. Isso representa 50% da bacia de drenagem do rio Tietê.
O relatório do Observando os Rios mostrou também que, embora a mancha de poluição tenha crescido, a proporção de água de boa qualidade voltou a subir, passando de 60 quilômetros no ano passado para 119 quilômetros na atual medição, quase se igualando ao que foi registrado em 2021 (124 km). Porém, de acordo com a SOS Mata Atlântica, a maior parte do trecho monitorado mantém-se em condição regular (293 km), sinalizando uma situação geral estável. Outro dado demonstrado pelo relatório neste ano é que não foi observada água de qualidade ótima.
Segundo o relatório, a água é de boa qualidade em 61 quilômetros que vão da nascente do rio até a cidade de Mogi das Cruzes e em 58 quilômetros que ficam perto do Reservatório de Barra Bonita. Já os 293 quilômetros de água regular estão divididos em quatro trechos nas bacias do Alto e Médio Tietê.
“A gente teve pontos em que melhorou a qualidade da água. Isso mostra que, por um lado, os trabalhos de saneamento estão acontecendo e precisam acontecer – e com mais rapidez. Por outro lado, [as manchas de poluição] mostram que tem um ponto de atenção de outras coisas para as quais precisamos atentar, como a questão climática, a questão da poluição difusa e a questão social, já que não dá para falar de saneamento se não relacionarmos isso ao problema de moradia. Uma coisa está relacionada à outra: como cobrar saneamento de pessoas que não têm nem onde morar? Então passa também pela justiça social a questão do saneamento”, destacou Veronesi.
Para a diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, a luta da ONG pela despoluição do Rio Tietê “não é um sonho que surgiu por causa de um jacaré teimoso”, mas uma luta pelo reconhecimento do direito à água limpa.
“Nós somos também muito teimosos porque fizemos desse desejo uma causa. Uma causa que ecoa no Brasil”, disse Malu, durante o evento que celebrou os 30 anos do programa Observando os Rios. “Queremos que a água seja reconhecida no Brasil como um direito humano. O acesso à água limpa para todos como um dos direitos fundamentais dos brasileiros precisa ser aprovado no Congresso Nacional. Uma proposta de emenda à Constituição (PE) foi aprovada no Senado, por unanimidade, no ano de 2009, e até hoje essa PEC está parada na Câmara dos Deputados.”
Malu enfatizou que a população brasileira precisa se lembrar que, no próximo ano, haverá eleições municipais e que os futuros prefeitos precisam ser cobrados sobre este tema. “Ano que vem temos eleições municipais, e precisamos colocar a agenda da água e a agenda da floresta no ranking de prioridades da nossa sociedade porque, quando abrirmos a torneira e não tivermos água, não adiantará reclamar. Precisamos agir agora.”
Para a SOS Mata Atlântica, o índice de água boa no Rio Tietê é fundamental para promover a segurança hídrica e usos múltiplos da água no estado de São Paulo, tais como abastecimento público, irrigação, produção de alimentos, pesca, atividades de lazer, turismo, navegação e geração de energia, além da manutenção dos ecossistemas e resgate da cultura nos municípios ribeirinhos. “A Organização Mundial da Saúde diz que, para cada dólar que se investe em saneamento básico, economizam-se até US$ 4 em saúde pública. Então, trabalhar com saneamento é investir em saúde pública”, afirmou Veronosi.
Malu Ribeiro ressaltou ainda que a despoluição do Rio Tietê é um projeto da sociedade para o Brasil. “Se a gente conseguir mostrar que é possível recuperar um grande rio como este, o rio da nossa história e do nosso desenvolvimento, a gente consegue levar para outros estados essa inclusão da sociedade no direito de ter a convivência com o rio limpo.”