Como sempre faz nessas trilhas, Júlio começou a fazer seus registros de espécies vegetais em um paredão rochoso, nas proximidades da cachoeira. “Me bateu uma curiosidade. Pensei: ‘naqueles paredões rochosos, pode ter alguma coisa bacana’ [para fotografar]. Na minha curiosidade, vi essa planta, que parecia um capim-gordura, toda peludinha”.
Aquela não era uma experiência inédita para o jovem mineiro. Ele vive em uma área pródiga para a descoberta de novas espécies e já registrara, anteriormente, várias plantas desconhecidas para a ciência.
Ele já sabia o que fazer nessa situação. Mandou as fotos para especialistas na flora da região para a identificação da espécie. Para a surpresa dos cientistas, aquela espécie era diferente de tudo o que conheciam. Era uma bromélia, mas ao mesmo tempo, não se parecia com outras espécies desta família botânica, devido às suas folhas cobertas de pelos.
Após análise das características da planta, principalmente de sua flor, pesquisadores confirmaram que era uma bromélia, batizada de Krekananthus ribeiranus, em homenagem ao jovem descobridor.
Essa aliás é a segunda espécie de bromélia descrita neste ano, que foi descoberta por Júlio. Antes da bromélia-peluda, ele já tinha encontrado uma Stigmatodon enigmaticus.
“Eu trabalho como guia turístico na região há uns oito anos e estou sempre junto com os pesquisadores que vêm fazer pesquisas aqui, então isso me agrega muito conhecimento. Para quem gosta de natureza, não há nem palavras para descrever a sensação da experiência de descobrir uma nova espécie de planta. É muito prazeroso estar lá descobrindo novas plantas”, diz o jovem, que pretende estudar biologia e se especializar em bromélias e orquídeas.
Uma década antes, Júlio era apenas uma criança quando participou de uma expedição com o pai e outro explorador amador, o geógrafo Reginaldo Vasconcelos, em que foi avistada, na mesma região, uma planta carnívora nova.
Vasconcelos registrou imagens da planta e postou em um grupo de identificação na rede social Facebook, o DetWeb, que reúne especialistas nas mais diversas famílias botânicas e observadores amadores.
Também naquela ocasião, confirmou que se tratava de uma nova espécie, chamada de Drosera magnifica, que usa gotículas pegajosas em suas folhas para aprisionar insetos.
“Naquele dia chuvoso, estávamos eu, o especialista em bromélias Elton Leme, Edmilson Caetano Ribeiro e seu filho Júlio César. Nesse dia fotografei os exemplares da Drosera magnifica. Aquela planta me chamou muito atenção. Depois, postei a foto no grupo onde logo alguns entendedores se manifestaram”, conta Reginaldo. “A natureza é simplesmente surpreendente! Quando vamos para as expedições é como se acendesse uma chama dentro de nós, escutamos o chamado da natureza e percebemos toda sutil informação do ambiente. Descobrir uma espécie nova em dias atuais é um copo de esperança”, conta o geógrafo.
Júlio César e Reginaldo são o que os pesquisadores chamam de cientistas cidadãos (ou cidadãos cientistas), naturalistas amadores que observam e registram a natureza, ajudando a ciência com novas descobertas e com o monitoramento do meio ambiente.
“A gente chama de cidadão cientista a pessoa que não tem a formação técnica na área de pesquisa, mas que tem essa curiosidade sobre o mundo natural que se envolvem, de algum jeito, no levantamento de questões como a identificação das plantas, a distribuição delas etc”, afirma Paulo Gonella, pesquisador da Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ), que participou da descrição das duas espécies de bromélias e da planta carnívora.
Reginaldo Vasconcelos, por exemplo, não chega a ser um amador, já que é formado em Geografia, uma ciência humana. E, apesar de não ter uma formação específica em ciências biológicas, já contabiliza, segundo ele próprio, a descoberta de 60 novas espécies de plantas, sendo a primeira uma orquídea chamada de Encyclia oliveirana, há duas décadas. Sua última descoberta foi a Merianthera calyptrata, descrita em agosto deste ano.
As redes sociais são uma importante ferramenta para o compartilhamento de informações científicas entre cidadãos comuns e pesquisadores. Os celulares com câmeras acopladas também permitiram uma ampliação dos registros fotográficos da natureza.
“Antes de a gente ter as redes sociais, a gente já tinha os fóruns de discussão na internet. Num desses fóruns, foram postadas as primeiras fotos de uma planta carnívora que depois a gente confirmou ser nova, a Drosera chimaera, descrita em 2014. Outra descoberta muito legal feita nesse mesmo fórum de plantas carnívoras que foi, na verdade, uma redescoberta: a Drosera ascendens, uma espécie descrita originalmente em 1820 e nunca mais tinha sido vista, até que essas fotos foram divulgadas no fórum”, conta Gonella.
No país, existe uma Rede Brasileira de Ciência Cidadã (RBCC), que reúne representantes de instituições de pesquisa e cidadãos comuns interessados em contribuir com a ciência.
Uma das instituições que integram a rede, o Instituto Nacional da Mata Atlântica (Inma), por exemplo, mantém o Programa Ciência Cidadã, que reúne vários projetos envolvendo cidadãos cientistas.
A iniciativa, que conta com a contribuição de mais de 2.300 colaboradores, permitiu o mapeamento da ocorrência de 600 espécies da fauna do Espírito Santo, através de projetos como o Cantoria de Quintal, que estimula cidadãos a registrar a ocorrência de anfíbios em seus quintais, através de fotos, vídeos ou áudios.
“O projeto Cantoria de Quintal incentiva o público a enviar arquivos, sobretudo sonoros, contemplando sapos, rãs e pererecas que habitam quintais ou arredores de residências. As gravações são realizadas e enviadas utilizando aparelhos celulares. O projeto foi criado há menos de três anos e já conta com quase 500 arquivos enviados por 120 colaboradores, incluindo espécies raras, ameaçadas de extinção, pouco conhecidas pela ciência, endêmicas da Mata Atlântica e registros inéditos para o município foco do projeto”, conta o pesquisador do Inma João Victor Lacerda.
O cientista cidadão funcionaria como uma extensão dos braços e olhos do pesquisador, amplificando o alcance da observação científica. “O cientista cidadão, muitas vezes, possibilita a coleta de dados em regiões remotas e/ou em quantidades que não seriam tão cedo atingidas por cientistas profissionais sem essa colaboração”, afirma Lacerda.
Mas, segundo o pesquisador, essa colaboração traz impactos positivos também para o cidadão comum.
“Engana-se quem enxerga a ciência cidadã como uma via de mão única em que o público é considerado um mero instrumento de coleta e envio de dados para atender a demandas científicas. Um projeto de ciência cidadã pode, por exemplo, beneficiar a população envolvendo-a diretamente na busca por compreensão e resolução de problemas locais, como monitoramento da qualidade da água, alteração do regime de incêndios, ou proliferação de pragas e insetos vetores de doenças”.
Além disso, Lacerda explica, esse tipo de colaboração pode facilitar, para a população, a compreensão de como a ciência funciona, aumentando sua credibilidade junto ao cidadão comum. “Esse é um tema especialmente caro à humanidade moderna, sobretudo no Brasil, onde o negacionismo vem ganhando espaço e causando cada vez mais estragos”, completa.