De acordo com levantamento do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, as mulheres negras equivalem a 45% das pessoas que atuam em serviço de cuidados. As mulheres brancas são 31%; e os homens, sejam brancos ou negros, equivalem a 24%.
Janaína considera que o próprio enunciado no Enem, ao delimitar apenas o recorte de gênero, contribuiu para invisibilizar as mulheres negras. “A perspectiva que não racializa a discussão não traz para o debate aquelas que historicamente são prejudicadas”, complementa pesquisadora e criadora da página Ela é só a babá, que discute o trabalho doméstico a partir de experiências pessoais e estudos acadêmicos.
A ativista negra Valdecir Nascimento (foto de destaque), do Odara - Instituto da Mulher Negra, acompanha 20 meninas que fazem cursos de formação complementar na organização para participar do Enem. Ela celebra o tema da prova e o aumento da discussão em torno da pauta do trabalho do cuidado, mas acha fundamental o alerta sobre a presença do próprio racismo no contexto da invisibilidade. “Eu não consigo pensar em mulher e no cuidar no Brasil sem pensar nas mulheres negras”, ressalta Valdecir.
A mão de obra feminina e negra dedicada ao cuidado está entre as principais características de uma das ocupações com mais tipos de postos de trabalho no país. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, o subsetor de serviços domésticos equivale a 25,4% dos postos de trabalho do setor de serviços - que representa 95,5% das ocupações no conjunto total atividades econômicas. O Ipea mapeou 70 ocupações no círculo do cuidado.
Os estudos do Ipea e do MDS foram publicados em 2023 e tiveram em sua elaboração a coautoria da socióloga e economista Luana Simões Pinheiro (foto), diretora de Economia de Cuidado na Secretaria Nacional da Política de Cuidado de Família do MDS. Para ela, o trabalho do cuidado tem duas clivagens: a divisão sexual e a divisão racial.
“Sempre se associa as mulheres ao trabalho de cuidado como um grupo homogêneo, como se todas fossem iguais. Mas entre essas mulheres há desigualdades.” Conforme a diretora, as mulheres negras estão na base da pirâmide social, em atividades como empregadas domésticas, babás, cuidadoras de crianças em creches, cuidadoras de idosos em residências e auxiliares de enfermagem.
Com o envelhecimento da população brasileira, flagrado no Censo 2022, a oferta de ocupações de cuidado tende a crescer. Isso poderá elevar esses postos de trabalho da base da pirâmide social. “Nós não valorizamos o cuidado e não valorizamos as pessoas que realizam esse cuidado”, lamenta Janaína Costa.
Luana Pinheiro concorda. “A gente continua falando de categorias que não têm carteira assinada e contam com uma renda muito menor do que outras ocupações. Temos que pensar outras estratégias para garantir essa valorização.”
“Eu considero que essas categorias devem se organizar e reivindicar respeito, dignidade e reconhecimento do trabalho. Nós estamos vivendo uma experiência mundial de discutir a questão do cuidado”, propõe Valdecir Nascimento.
Na última semana, durante o encerramento da Semana Nacional de Inovação da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), foi anunciado o tema do evento do próximo ano: “Novas Formas de Cuidar”. A secretária nacional da Política de Cuidados e Família do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Laís Abramo, reconheceu como um grande desafio a implementação de políticas públicas nessa área.
"O cuidado é um direito e uma necessidade de todas as pessoas. É fundamental para a reprodução da vida e o bem-estar das pessoas, assim como para o funcionamento das sociedades e das economias”, destacou.
“Precisamos, portanto, pensar em como transformar uma sociedade de mulheres - especialmente mulheres negras e periféricas - sobrecarregadas pelo trabalho de cuidado em uma sociedade de cuidados, uma sociedade que tenha no seu centro a sustentabilidade da vida, da vida das pessoas e da vida do planeta.”