“O comitê, unanimemente, avalia que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade e expectativas desancoradas demandam maior cautela”, diz a ata da última reunião do Copom, divulgada nesta terça-feira (14). “A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, expectativas de inflação desancoradas e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária”, acrescenta o BC.
Um dos principais motivos para a cautela do Copom é a desancoragem das expectativas de inflação. Apesar de estar em queda, o índice ainda se encontra acima da meta estabelecida pelo Banco Central, alimentando a incerteza entre os agentes econômicos. Definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), a meta é 3% para este ano, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Ou seja, o limite inferior é 1,5% e o superior 4,5%.
Além disso, as projeções para a inflação divulgadas no último Relatório de Inflação do BC, em março, apontam para uma diminuição da inflação em ritmo mais lento em 2024, pressionado pela alta dos preços de alimentos e combustíveis. No relatório, a autoridade monetária manteve a estimativa de que o IPCA fechará 2024 em 3,5% no cenário base. A projeção, no entanto, pode ser revista na nova versão do relatório, que será divulgada no fim de junho.
Entre os possíveis motivos da recente desancoragem das expectativas de inflação, o BC elencou a piora do cenário externo; os recentes anúncios de política fiscal; e a percepção de agentes econômicos acerca do compromisso da autoridade monetária com o atingimento da meta ao longo dos anos.
“O comitê avalia que a redução das expectativas requer uma atuação firme da autoridade monetária, bem como o contínuo fortalecimento da credibilidade e da reputação tanto das instituições como dos arcabouços fiscal e monetário que compõem a política econômica brasileira”, diz a ata.
O cenário internacional mais adverso contribuiu para a decisão do Copom, de reduzir o ritmo do corte de juros. Para o BC, o aumento da volatilidade nos mercados financeiros globais, a desaceleração da economia americana e a persistência da inflação em diversos países geram incertezas quanto à trajetória da economia mundial.
Apesar dos desafios, o Copom reconhece que o cenário do mercado de trabalho e a atividade econômica brasileira apresentaram um desempenho mais dinâmico do que o esperado no primeiro trimestre de 2024. Esse crescimento, impulsionado principalmente pelo setor de serviços, contribuiu para a decisão de reduzir a taxa Selic, ainda que em um ritmo mais lento.
Por outro lado, a resiliência da atividade e a pujança do mercado de trabalho sugerem uma menor elasticidade do hiato do produto (capacidade ociosa da economia) à política monetária, o que poderia induzir um processo de desinflação ainda mais lento.
“Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego”, diz o BC.
Quando o Copom diminui a Selic, a tendência é que o crédito fique mais barato, com incentivo à produção e ao consumo, estimulando a atividade econômica e reduzindo o controle sobre a inflação. Já quando o Copom aumenta a taxa básica de juros, a finalidade é conter a demanda aquecida, e isso causa reflexos nos preços porque os juros mais altos encarecem o crédito e estimulam a poupança.
A Selic é o principal instrumento do Banco Central para manter sob controle a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). De março de 2021 a agosto de 2022, o Copom elevou a Selic por 12 vezes consecutivas, num ciclo de aperto monetário que começou em meio à alta dos preços de alimentos, de energia e de combustíveis. Por um ano, de agosto de 2022 a agosto de 2023, a taxa foi mantida em 13,75% ao ano, por sete vezes seguidas.
Como resultado, o IPCA encerrou 2022 com alta de 5,8%, recuando em relação ao observado em 2021, de 10,1%.
Antes do início do ciclo de alta, a Selic tinha sido reduzida para 2% ao ano, no nível mais baixo da série histórica iniciada em 1986. Por causa da contração econômica gerada pela pandemia da covid-19, o Banco Central tinha derrubado a taxa para estimular a produção e o consumo. A taxa ficou no menor patamar da história de agosto de 2020 a março de 2021.
Em 2023, o IPCA fechou o ano com alta acumulada de 4,62%, acima do centro da meta determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que era de 3,25%, mas dentro do intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, ou seja, entre 1,75% e 4,75%.
Em abril deste ano, pressionada pelos preços de alimentos e gastos com saúde e cuidados pessoais, a inflação do país foi a 0,38%, acima do observado no mês anterior (0,16%), mas abaixo do apurado em abril do ano passado (0,61%). De acordo com o IBGE, em 12 meses, o IPCA acumula 3,69%.
Novamente, o Copom reforçou a visão de que o “esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal”, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, “com impactos deletérios sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre o custo de desinflação em termos de atividade”.
A taxa neutra é aquela que nem estimula, nem desestimula a economia, ou seja, é a taxa de juros real consistente para manter o nível de atividade econômica, com o fomento ao pleno emprego e a inflação na meta. Quando o BC quer conter a demanda aquecida e frear a inflação, ele aumenta a taxa básica de juros para uma posição acima do juro neutro. A taxa de juros real neutra utilizada nas projeções pelo BC é de 4,5% ao ano.
A política fiscal, de equilíbrio das contas públicas do país, também impacta as expectativas de inflação. O BC reafirmou que “uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”.
“Ainda que as projeções de resultado primário e de trajetória da dívida não tenham se alterado significativamente, observou-se, no período, um aumento do prêmio de risco e uma percepção de piora da situação fiscal, de acordo com os agentes [financeiros] que respondem o Questionário Pré-Copom”, diz a ata.
Os membros do colegiado acrescentaram que a tragédia climática no Rio Grande do Sul, além dos seus impactos humanitários, também terá desdobramentos econômicos e o Copom seguirá acompanhando.
A reunião do Copom no último dia 8 foi marcada pela divergência dos seus membros em torno do nível de corte de juros que seria realizado. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, desempatou a decisão ao votar por um corte de 0,25 ponto.
Além de Campos Neto, votaram por essa redução os diretores Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Otávio Ribeiro Damaso e Renato Dias de Brito Gomes, indicados pelo governo anterior. Votaram por uma redução de 0,5 ponto percentual Ailton de Aquino Santos, Gabriel Muricca Galípolo, Paulo Picchetti e Rodrigo Alves Teixeira, indicados pelo atual governo.
Os membros que defenderam um corte maior também compartilharam da percepção de aumento das incertezas, mas alertaram sobre o custo de oportunidade de não seguir o guidance (orientação futura do Copom) da última ata, de corte de 0,5 ponto. “Eles discutiram se o cenário prospectivo divergiu significativamente do que era esperado a ponto de valer o custo reputacional de não seguir o guidance, o que poderia levar a uma redução do poder das comunicações formais do Comitê”, diz a ata.
“Para tais membros, julgou-se apropriado, tal como em reuniões anteriores, seguir o guidance, mas reafirmando o firme compromisso com a meta. Robustecendo a análise, notaram que as projeções de inflação eram mais afetadas pela determinação da taxa de juros terminal e que a redução de 0,50 ponto percentual ainda manteria a política monetária suficientemente contracionista”, acrescentou o BC.
Já para os membros que defenderam a redução de 0,25 ponto percentual, o guidance indicado na reunião anterior era condicional ao cenário previsto na época, no entanto houve alteração nas condições macroeconômicas. “Tais membros ressaltaram que muito mais importante do que o eventual custo reputacional de não seguir um guidance, mesmo que condicional, é o risco de perda de credibilidade sobre o compromisso com o combate à inflação e com a ancoragem das expectativas”, diz a ata.