Em março deste ano, fora da agenda oficial, o então ministro da Saúde participou pessoalmente da negociação com intermediários. Um vídeo registrou o fim da reunião. O Butantan é o único representante do laboratório Sinovac no Brasil para importar e produzir a CoronaVac. Pazuello negociou com intermediários compra de 30 milhões de doses da CoronaVac pelo triplo do preço
Uma nova denúncia na compra de vacina contra Covid envolve diretamente o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Em março deste ano, fora da agenda oficial do ministério, ele participou pessoalmente da negociação com intermediários para comprar CoronaVac pelo triplo do preço. O Butantan é o único representante do laboratório Sinovac no Brasil para importar e produzir a CoronaVac.
A reunião foi no dia 11 de março e não constou da agenda oficial do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
No gabinete do coronel Élcio Franco, na época o número dois da pasta e responsável pela compra de vacinas, Pazuello se encontrou com empresários que representavam a World Brands, empresa de comércio exterior sediada em Santa Catarina.
No fim do encontro, Pazuello gravou um vídeo, divulgado nesta sexta-feira (16) pelo jornal Folha de S.Paulo. A TV Globo também teve acesso ao material, que está de posse da CPI da Covid.
Ele comemora o acordo fechado ali, no Ministério da Saúde, para a importação de 30 milhões de doses da CoronaVac, a vacina produzida pelo laboratório chinês Sinovac.
“Nós estamos aqui reunidos no Ministério da Saúde, recebendo comitiva que veio tratar da possibilidade de nós comprarmos 30 milhões de doses, numa compra direta com o governo chinês. E já abre também uma nova possibilidade de termos mais doses e mais laboratórios. Vamos tratar na semana que vem. Mas saímos daqui hoje já com memorando de entendimento assinado e com o compromisso do ministério de celebrar, no mais curto prazo, o contrato”, afirmou Pazuello no vídeo.
A revelação de que, em março deste ano, Pazuello estava negociando a compra da CoronaVac com intermediários causa ainda mais espanto quando se olha para o que havia acontecido cinco meses antes.
No dia 21 de outubro do ano passado, o presidente tinha desautorizado Pazuello publicamente quando mandou cancelar a negociação de compra da CoronaVac com o Butantan.
“Já mandei cancelar, se ele assinou, já mandei cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade, até porque estaria comprando uma vacina que ninguém está interessado por ela, a não ser nós. Não sei se o que está envolvido nisso tudo é o preço vultoso que vai se pagar por essa ‘vachina’, essa vacina para a China”, disse Bolsonaro em 21 de outubro de 2020.
Naquele mesmo dia, o coronel Élcio Franco convocou uma coletiva em que também desdenhou da vacina chinesa.
E, um dia depois, Pazuello declarou que cumpria ordens do chefe:
“Senhores, é simples assim: um manda e outro obedece.”
Uma semana depois, em 29 de outubro, Bolsonaro ainda mandou um recado para o governador de São Paulo, João Doria, que trouxe para o Brasil a CoronaVac e investiu para que o Instituto Butantan produzisse a vacina.
“Querido governador de São Paulo, sabe que eu sou apaixonado por você. Sabe disso. Poxa, fica difícil. E, outra coisa, ninguém vai tomar a tua vacina na marra, não. Procura outro. E eu que sou governo, o dinheiro não é meu, é do povo, não vai comprar a tua vacina também, não, tá ok? Procura outro para pagar a tua vacina aí”, disse.
Mas o fato é que dois meses depois, já no início de 2021, o governo Bolsonaro acabou fechando contrato com o Butantan para comprar 100 milhões de doses da CoronaVac. O preço: US$ 10 a dose.
Já no encontro de 11 de março, revelado nesta sexta-feira, a Folha de S.Paulo afirmou que a World Brands ofereceu 30 milhões de doses por praticamente o triplo desse preço: US$ 28 a dose.
E que, além do preço mais alto, o negócio com a World Brands ainda previa o depósito de metade do valor total da compra até dois dias após a assinatura do contrato: R$ 4,65 bilhões, pela cotação do dólar à época.
Pazuello disse no vídeo que havia assinado um memorando de entendimento para a compra, mas a negociação não prosperou.
O general deixou o comando do ministério 12 dias depois, em 23 de março, e Élcio Franco foi exonerado do cargo de secretário-executivo no dia 26 de março.
O vídeo de Pazuello ao lado de empresários também entra em choque com uma declaração dele na CPI da Covid. No dia 19 de maio, senadores da comissão cobraram do ex-ministro da saúde a falta de interesse na negociação com o laboratório Pfizer.
A negociação se arrastou por quase um ano. Em agosto, o laboratório fez a primeira proposta ao Ministério da Saúde para vender a vacina ao Brasil. O negócio só foi fechado depois de o governo recusar seis ofertas. Pazuello conversou apenas uma vez com os representantes da Pfizer, e por telefone. A Pfizer vendeu as primeiras doses da vacina ao Brasil por US$ 10.
Aos senadores, Pazuello disse que, na condição de ministro da Saúde, não poderia sequer se encontrar com representantes de empresas numa mesa de negociação, só depois da assinatura do contrato.
Renan Calheiros: Por que vossa excelência não tomou o comando e o protagonismo dessa negociação com a Pfizer?
Pazuello: Pela simples razão que eu sou o dirigente máximo, eu sou o decisor, eu não posso negociar com a empresa. Quem negocia com a empresa é o nível administrativo, não o ministro. Ministro jamais deve receber uma empresa, o senhor deveria saber disso.
O diretor do Butantan, Dimas Covas, disse que o governo poderia ter comprado os 30 milhões de doses da CoronaVac diretamente do instituto com preço muito mais baixo que o oferecido pelos empresários e que considera estranha a negociação com a World Brands, já que o ministério sabia que o Butantan era o único autorizado pelo laboratório Sinovac para vender a vacina no Brasil. Dimas Covas disse que ele próprio alertou inúmeras vezes Pazuello, Élcio Franco e técnicos do Ministério da Saúde.
“Por inúmeras vezes foi dito mais do que isso. Foi dito que o Butantan era o desenvolvedor junto com a Sinovac da vacina. Tanto é que os estudos clínicos foram feitos aqui, tanto é que o registro emergencial é do Butantan. Então, é um fato público e notório. Obviamente que a apresentação desse vídeo me pegou de surpresa. Quer dizer, eu não sabia dessa negociação. Pelo contrário, as negociações com o Butantan em fevereiro, começo de março elas continuavam, inclusive com a necessidade de definições de mais doses. Então eu fui absolutamente surpreendido e isso demonstra que havia uma história subterrânea de fato contra o Butantan. Isso acho que fica claro a partir dessas constatações”, disse Dimas Covas.
O relator da CPI, senador Renan Calheiros, do MDB, afirmou que a negociação de Pazuello com intermediários demonstra o interesse do governo em propina e corrupção.
“Essa é mais uma mentira que se coloca no caminho tortuoso do Pazuello. Ou seja, enquanto eles cancelaram a negociação com o Butantan, enquanto o presidente da República desdenhava da eficácia da vacina, que poderia ter levado o Brasil a ser o primeiro país a vacinar no mundo, essa foi, na verdade, a oportunidade que criminosamente o presidente da República perdeu. O Ministério da Saúde recebe um novo representante da CoronaVac e, desta vez, com o preço três vezes superior. Quer dizer, o Brasil cada vez mais fica indignado quando essas coisas aparecem e demonstra o caráter escabroso do governo nessas negociações, sempre atrás de propina e de corrupção”, definiu o senador.
O Ministério da Saúde declarou que a atual gestão não tem conhecimento do memorando de entendimento para aquisição da CoronaVac citado na reportagem.
O Jornal Nacional procurou o ex-ministro Pazuello, mas não obteve retorno.
Fonte: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2021/07/16/pazuello-negociou-com-intermediarios-compra-de-30-milhoes-de-doses-da-coronavac-pelo-triplo-do-preco.ghtml