Quais mudanças são necessárias para que o paciente brasileiro tenha um cuidado seguro e efetivo, considerando o contexto das iniquidades em saúde? Em seu segundo congresso, a Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (SOBRASP) reuniu, online, durante três dias, mais de 1.000 participantes para promover a difusão de conhecimento e a troca de experiências sobre o assunto.
O encerramento do evento foi realizado propositalmente no Dia Mundial da Segurança do Paciente, 17 de setembro, e contou com o anúncio dos trabalhos vencedores do Prêmio Walter Mendes, homenagem ao médico e pesquisador Walter Viera Mendes Junior, falecido em 2017. Ele foi autor de estudos inovadores sobre eventos adversos em hospitais brasileiros, membro do Comitê do Programa Nacional de Segurança do Paciente e tornou-se um ícone na área.
O Hospital Criança Conceição (HCC), de Porto Alegre (RS), referência por prestar atendimento exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), venceu na categoria “Experiências Exitosas”, com Mascotes de segurança do paciente como estratégia lúdica inovadora para engajamento de pacientes e familiares.
Para a gestão do risco assistencial de lesões por pressão, por exemplo, o HCC desenvolveu material educativo direcionado às equipes assistenciais com desenhos de tomates que informavam as medidas preventivas de lesão no ambiente hospitalar. Para informar e engajar os familiares sobre riscos de queda durante a internação, foi preparada uma apresentação teatral com fantoches. Dona Ana, uma banana que teve sua filha Ban’Aninha hospitalizada, recebeu todas as orientações dadas pela enfermeira Dona Joana, mascote da instituição, para que a paciente não sofresse nenhuma queda ou quase queda.
Segundo os profissionais, a apresentação tirou crianças e familiares “da submissão passiva, tornando a aprendizagem aberta ao paciente”. Além disso, “a experiência destaca-se por sua natureza inovadora no âmbito do SUS e pela fácil aplicabilidade prática e reprodutibilidade em diversos cenários e realidades assistenciais”.
Na categoria Pesquisa Científica, a comissão julgadora composta por três membros e o presidente da SOBRASP elegeu o estudo Diagnóstico dos eventos adversos: Notificação profissional versus software Diagnosis Related Group (DRG).
Os pesquisadores concluíram que o diagnóstico dos eventos adversos a partir do uso do DRG, em 10 hospitais públicos da Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig), “sem dúvida apresenta maior sensibilidade, especificidade e abrangência se comparado à notificação profissional do SIEAD/NOTIVISA” (Sistema de Notificação de Eventos Adversos/Sistema de Notificação em Vigilância Sanitária).
Segundo a equipe responsável, “conhecer a dimensão real destes incidentes decorrentes de falhas dos processos assistenciais permite aprimorar a segurança dos pacientes, visto que 50 a 60% desses incidentes são evitáveis com a adoção de medidas preventivas. A implantação da metodologia DRG na Fhemig, em 2019, é pioneira e exitosa na administração estadual de serviços hospitalares do SUS e esse estudo demonstra o potencial e a necessidade aprimoramento desta ferramenta para o diagnóstico e monitoramento dos eventos adversos na Fhemig. Os dados dos 10 hospitais refletem os do Brasil publicados pela Agência de Vigilância Sanitária em 2022”.
O Prêmio Walter Mendes é restrito a instituições de saúde públicas ou conveniadas ao SUS e destina-se aos dois melhores trabalhos inscritos exclusivamente nesta premiação. O objetivo é incentivar o desenvolvimento e a disseminação de práticas seguras no cuidado de saúde que possam ser adotadas como referencial para a melhoria da qualidade e da segurança do paciente pelas instituições brasileiras.
“Medicação sem danos”: SOBRASP reforça campanha da OMS
A segurança medicamentosa foi o tema escolhido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o Dia Mundial de Segurança do Paciente (17/09) – cujas iniciativas globais seguem pelos próximos 12 meses. Os danos relacionados ao uso de medicamentos na assistência correspondem a 50% de todos os danos evitáveis na saúde, além do ônus econômico e psicológico para pacientes e instituições. A OMS elegeu como áreas prioritárias as situações de alto risco, a transição de cuidados e a polifarmácia (uso rotineiro e concomitante de quatro ou mais medicamentos por um paciente).
O congresso também marcou a intensificação de esforços da SOBRASP para conscientização e estímulo de ações preventivas pelos profissionais de saúde e pela população em geral, no sentido de diminuir os danos relacionados à medicação. Nas redes sociais da organização, uma série de posts informativos começou a ser publicada no dia 17 de setembro.
Para o presidente da SOBRASP, Victor Grabois, “a segurança do paciente é uma questão da sociedade no mundo todo, de todos os governos, de toda a população. Só vamos ter de fato um cuidado seguro e efetivo se essa for uma causa verdadeiramente abraçada pela população e pelos profissionais de saúde; muitos desconhecem o que é preciso fazer para alcançar esse objetivo. Nosso papel, como sociedade de saúde, é promover a difusão do conhecimento e a troca de experiências. O congresso foi muito bem-sucedido nessa tarefa”, conclui.
“Olá, meu nome é...”
Também lançada durante o congresso, a campanha “Olá, meu nome é...” estimula a comunicação compassiva do profissional para com os pacientes. Criada em 2013 pela médica norte-americana Kate Granger (in memoriam), à época paciente terminal de câncer, a Hello, my name is... surgiu de um profundo incômodo seu com a falta de conexão entre o ser humano que está sofrendo, vulnerável, e o outro que deseja ajudar. O movimento estimula que o profissional se apresente antes de prestar os cuidados.
“Acredito firmemente que não se trata apenas de cortesia, mas de algo mais profundo. As apresentações iniciam relacionamentos terapêuticos e podem construir confiança instantaneamente em circunstâncias difíceis”, registrou a fundadora no site do movimento que, hoje, tem como coordenador o viúvo da médica, Chris Pointon.
No Brasil, o representante da campanha é o médico pediatra Tiago Dalcin, especialista em qualidade em saúde e segurança do paciente e coordenador do Grupo de Trabalho Temático de Pediatra da SOBRASP. “O Chris ficou muito feliz quando fiz o primeiro contato com ele e demonstrei interesse em investir na campanha no Brasil. Depois dessa importante largada em parceria com a SOBRASP e com o Instituto Brasileiro de Direito do Paciente (IBDPAC), vamos iniciar a organização de eventos online - inclusive com a presença do viúvo da Kate - e buscar o apoio de personalidades e de mais instituições”, adianta Dalcin, informando o email da campanha para interessados: olameunomeebrasil@gmail.com.
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