Adolescência, período de descobertas, fase de iniciar a ida a festas e baladas, situação em que, muitas vezes, acontece o primeiro contato com drogas. Para o psiquiatra Felix Kessler, do CELG (Centro de Estudos Luís Guedes), associação científica sem fins lucrativos que congrega aproximadamente 300 psiquiatras e psicólogos, é importante promover e orientar sobre a questão desde a infância. “Limites claros e com sentido auxiliam o desenvolvimento mental de crianças e adolescentes, que se sentem mais organizados e seguros. Os filhos precisam reconhecer na família um ambiente onde eles podem tratar de qualquer assunto com segurança”, ressalta.
A temática “Adolescentes e novas drogas na balada” será uma das questões abordadas na Jornada CELG 2022, que acontecerá de 4 e 6 de agosto, no Wish Serrano, em Gramado (RS). A palestra será ministrada pelo Dr. Felix, em conjunto com o psiquiatra Dr. Leonardo Paim. A 31ª edição ocorrerá em formato presencial, depois de dois anos de interrupção pela pandemia e trará os últimos avanços sobre avaliação, prevenção e tratamento voltado à saúde mental. O tema central será “Resiliência – encontros e desencontros”.
Nos últimos anos, inúmeras drogas foram sendo importadas, manufaturadas e incorporadas aos ambientes festivos, no Rio Grande do Sul e outros estados brasileiros. Entre as substâncias psicoativas que ganharam espaço nas baladas estão as metanfetaminas e estimulantes como o MD (apelidado de Michael Douglas), mas também outras mais depressoras, como o ácido gama-hidroxibutírico que, nas festas rave, é mais conhecido como GHB, ou apenas "G” (pronunciada como “di”, som da letra no inglês). A droga pode dar aos usuários uma sensação de euforia e aumentar o desejo sexual. “Mas aumentar a dose em uma fração, até menos que um mililitro, pode ser fatal. A superdosagem de G pode tornar as pessoas incoerentes, provocar convulsões, fazê-las perder a consciência e parar de respirar completamente”, explica o psiquiatra.
Outro aspecto novo é a forma de adquirir as substâncias psicoativas. O uso do comércio eletrônico - em especial através da dark web - tem sido utilizado para fazer com que a droga chegue ao usuário sem passar pelos esquemas habituais de tráfico.
Drogas antigas também são trazidas como novidades ao mercado, como é o caso do DMT, composto ativo da ayahuasca que tem sido vendida como changa, usada fora do contexto ritualístico. LSD, droga muito popular nos anos 60 e 70, também tem sido revisitada pelos jovens. Há também um aspecto novo associado ao consumo de álcool, que é a sua associação a bebidas energéticas, os famosos Kits. O uso de destilado associado à cafeína diminui a percepção de riscos e da própria embriaguez, e está associado a consumos maiores de álcool e suas graves consequências, como problemas cardiovasculares.
Outra substância não tão incomum é o NBOMe, uma nova classe de alucinógeno potente presente no mercado de drogas ilícitas nos últimos cinco anos. Comercializado como alternativa ao LSD, o entorpecente é considerado um alucinógeno sintético ainda mais intenso: os efeitos do uso de uma quantidade mínima podem durar até 12 horas ou mais.
Além disso, a cetamina, usada oficialmente no país como tranquilizante anestésico para animais de grande porte, como cavalos, tem crescido como droga popular para uso recreativo e aplicação de golpes do tipo “Boa noite, Cinderela”, aplicado em mulheres para facilitação de abusos.
Já os canabinóides sintéticos não são tão comuns no Brasil, mas poderão surgir em breve. Estudos demonstram que os canabinóides sintéticos podem ser de 2 a 100 vezes mais potentes que o THC. “Assim, parecem ter efeitos similares aos da maconha, porém, muito mais intensos. Os mais frequentes são sintomas cardiovasculares, como taquicardia, hipertensão, infarto agudo do miocárdio; neurológico, com tontura, convulsão, AVC, déficit cognitivo e de memória; psiquiátricos, como euforia, relaxamento, agitação, alucinação, ansiedade, pânico, psicose, entre outros”, lista Kessler.
Orientação aos pais
O psiquiatra reforça a necessidade do estreitamento dos laços familiares e do diálogo aberto. “É importante incentivar a liberdade, principalmente na adolescência, mas sempre com monitoramento positivo, além de demonstrar preocupação, interesse e envolvimento em tudo que eles fazem. Pode ser interessante também incentivar atividades artísticas, culturais e esportivas. Um projeto nesse sentido na Islândia, país europeu com alto consumo de bebida alcoólica e drogas, simplesmente aumentou as atividades culturais e esportivas nas escolas, sem muitas palestras, alertando os pais a acompanharem seus filhos adolescentes e vem apresentando resultados promissores”, fala.
O psiquiatra também ressalta a necessidade de dar bons exemplos e ensinar as virtudes como ética, humildade e gratidão, desde a infância. “Crianças são como esponjas, absorvem tudo que está ao redor, principalmente os comportamentos, como uso de bebidas alcoólicas. É importante ser um exemplo de comportamento, espelhando a forma que gostaria que seus filhos agissem futuramente”.
Tratamento
Quando o problema já se instalou, o psiquiatra salienta que a melhor forma de cuidar do assunto é, antes de tudo, manter a calma e procurar falar diretamente com o filho sobre o assunto ou procurar ajuda psicológica e psiquiátrica. “Aliás, não importa o tipo de droga que está sendo usada, o que importa é oferecer alternativas estimulantes para resgatar esse filho e fazer com que volte a ter uma vida normal. É preciso entender que o consumo compulsivo geralmente está ligado a determinadas condições biológicas ou até psicológicas do próprio usuário de substâncias, pois esse problema pode se tornar ainda mais grave. É necessário avaliar também os fatores sócio-ambientais para o consumo para reduzir os gatilhos para fissuras. O jovem precisa se conscientizar sobre a situação e, o quanto antes, procurar auxílio”, pontua.
O especialista avalia que “deve-se desconfiar de qualquer política reducionista que se proponha a resolver o problema de uso de drogas com ações simples e únicas”. “É preciso formar uma rede de proteção e tratamento que atenda o adolescente de forma integral: saúde física, psíquica, educação e proteção social; de preferência que isso seja feito no mesmo espaço e de forma integrada”, fala. “Incluir a família e a comunidade no tratamento é um aspecto importante, mesmo que seja através de grupos de autoajuda. A família é que tem a confiança e conexão com o jovem, não sendo possível transferir essa responsabilidade para o Estado, para o médico, para o psicólogo, para a escola ou para o professor. Ela precisa ser incentivada e auxiliada para que possa cumprir a responsabilidade de cuidar de seus adolescentes e seguir as orientações dos profissionais”, conclui.