Previsto para ocorrer entre 29 e 31 de março, o encontro com Lula em Xangai, onde fica a sede do NDB, deverá ser marcado pela posse oficial de Dilma no banco que ela própria ajudou a fundar, em 2014. Segundo especialistas ouvidos pela Agência Brasil, a nova comandante da instituição tem a oportunidade de ampliar a inserção internacional no banco, mas terá dois grandes desafios: impulsionar projetos ligados ao meio ambiente e driblar o impacto geopolítico das retaliações ocidentais à Rússia, um dos sócios-fundadores.
“Nesse ponto, vai depender mais de quem coloca o dinheiro e financia os projetos, principalmente a Rússia e a China, que não têm esse perfil ambientalista, decidir colocar valores em projetos mais ambientais. A adaptação da Dilma ao perfil de economia verde é o menor dos problemas”, diz Carla Beni, economista e professora de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo. Ela, no entanto, lembra que a China pode usar o banco para suavizar a imagem de grande emissor de carbono e financiar esses projetos.
Doutor em relações internacionais na Universidade de Lisboa e membro da Associação Portuguesa de Ciência Política, o economista Igor Lucena concorda. Para ele, a articulação entre os países-membros do Banco do Brics será importante para que os sócios apresentem projetos de sustentabilidade verde no médio e no longo prazo.
“A gente sabe que esses projetos não são simples, demoram para emplacar, como o hidrogênio verde no Ceará, mas são projetos importantes e que podem ser para a presidente Dilma um legado e uma marca da sua gestão dentro do banco. Então, isso vai ter que ser feito em parceria com os países-membros e, talvez, colocar como requisito para os novos países que querem entrar no banco a possibilidade e a necessidade de investir capital dentro desse projeto verde”, sugere.
Outro desafio que Dilma terá de enfrentar no comando do NDB será a resistência dos países ocidentais em relação à Rússia. Segundo Lucena, as sanções por causa da guerra na Ucrânia estão impedindo o banco de emitir títulos no mercado financeiro europeu e norte-americano. A nova presidenta da instituição terá de encontrar opções para captar recursos fora do Brics.
“Haverá uma maior necessidade de a presidente Dilma articular com países não atrelados às sanções contra a Rússia para que o banco possa emitir títulos, dívida em estados e regiões que sejam capazes de absorver esses papéis e dar capilaridade de financiamento ao banco. Talvez esse seja o maior desafio da ex-presidente Dilma dentro do Brics: a situação internacional da Rússia e como isso impacta dentro do próprio banco”, diz Lucena.
Carla Beni reconhece as dificuldades trazidas pela guerra na Ucrânia e pela alta nos juros internacionais, mas diz que Dilma tem um elemento a seu favor: a restauração da imagem do Brasil no exterior após a posse de Lula. “A gestão de Dilma pode melhorar a imagem e a relevância do banco e isso fortalece a posição, porque o governo anunciou e está deixando bem claro que quer fortalecer a aliança do Brasil com o mundo. O presidente Lula abriu o governo dizendo que o Brasil voltou à mesa de negociações”, explica.
Outro elemento importante apontado pelos dois especialistas está no próprio currículo da nova comandante do NDB. Os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da China, Xi Jinping, comandavam os países quando Dilma era presidenta da República. Isso, segundo eles, dá traquejo político à Dilma.
“Um ex-presidente [de um país], seja ele quem for, tem relevância porque tem acesso a outros chefes de Estado. Para o próprio banco, a indicação da Dilma teve uma sinalização positiva. Tem um detalhe a que as pessoas não se atentam muito. A Dilma foi uma das fundadoras do Banco do Brics em 2014, então ela tem uma representação interna lá dentro e um trânsito muito bem visto sob a ótica do banco”, relembra Beni.
“Dilma tem dois pontos fundamentais que podem marcar sua gestão. Primeiro, há uma disposição muito maior da China em avançar com o NDB, mas também de trazer novos sócios ao banco. Ou seja, a possibilidade de novos recursos entrarem no banco e isso alavancar a capacidade das empresas brasileiras, o que é um fator positivo”, destaca Lucena.
No último dia 10, o banco comunicou oficialmente que o atual presidente, o brasileiro Marcos Troyjo, deixará a instituição em 24 de março. Secretário especial de Comércio Exterior e Relações Internacionais do antigo Ministério da Economia, Troyjo ocupava a presidência do NDB desde julho de 2020. Segundo o comunicado oficial, a sucessão foi mutuamente acordada com o atual governo e obedece à governança e aos procedimentos da instituição.
Dilma presidirá o banco até julho de 2025, quando acaba o mandato rotativo entre os países fundadores da instituição financeira. Após o presidente Lula tomar posse, o governo articulou a troca de poder, consultando todos os sócios. Na próxima sexta-feira (24), no mesmo dia em que Troyjo deixa o cargo, Dilma será eleita formalmente para assumir o posto em Xangai, mas uma cerimônia oficial de posse está prevista durante a viagem de Lula à China.
No comunicado emitido no último dia 10, o NDB enumerou conquistas na gestão de Troyjo, como a ampliação da carteira de crédito para US$ 32 bilhões que financiam quase 100 projetos e a melhoria da nota do banco pelas agências de risco, com nota AA+ para operações de longo prazo. Essa classificação é mais alta que a dos quatro principais bancos norte-americanos.