Comitê Olímpico Internacional passou a permitir manifestações políticas, mas não quando os atletas estão no pódio. Para especialistas, não está claro se o COI vai realmente punir os esportistas. Georgia Stanway e Keira Wals, do time de futebol feminino do Reino Unido, protestam antes do início do jogo contra o Chile pelas Olimpíadas de Tóquio 2020, em 21 de julho de 2021
Asano Ikko / AFP
O Comitê Olímpico Internacional (COI) permitirá alguns tipos de protestos nas Olimpíadas que começaram nesta semana em Tóquio, no Japão, mas nos momentos de maior atenção do público (as cerimônias de abertura ou encerramento, durante as disputas ou no pódio) não pode haver manifestação política.
Antes mesmo da abertura, que acontece nesta sexta-feira (23), em três jogos de futebol os atletas se apoiaram em um dos joelhos antes dos inícios das partidas, fazendo o gesto antirracista que já se notabilizou em outras competições (leia mais a respeito mais abaixo).
No começo do mês, o COI divulgou novas regras que permitem aos atletas se manifestarem, mas só em algumas condições: os protestos só podem acontecer antes do início de uma competição. Por exemplo, quando os atletas forem apresentados. Nesse momento, está liberado o uso de roupas ou acessórios ou fazer gestos, como levantar os punhos ou ficar apoiado em um joelho no campo.
“O COI está emitindo mensagens dúbias”, diz Helen Lenskyj, professora emérita da Universidade de Toronto e autora do livro “The Olympic Games: A Critical Approach” (Os Jogos Olímpidos: uma Abordagem Crítica). Ou seja, não se sabe ao certo se os atletas que fizeram protestos serão punidos.
Para ela, atletas mais corajosos vão protestar no pódio, sim, apesar da possibilidade de penas.
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Quais são as penas?
O COI pode chegar a punir um atleta com a exclusão permanente dos Jogos Olímpicos, diz a advogada Simone Lahorgue, do escritório Levy Salomão.
O comitê também pode desqualificar o esportista e obrigá-lo a devolver a medalha.
Gwen Berry, atleta norte-americana que já fez protestos no pódio dos Jogos Pan Americanos
Kirby Lee-USA Today Sports/Via Reuters
Os resultados de muitas modalidades nas Olimpíadas contam para o ranking do esporte, e um atleta punido pelo COI pode perder os pontos que conquistou nos Jogos.
“Há uma avaliação do grau de desrespeito às regras, o COI não vai punir com as sanções mais severas quem levantar o braço”, diz Lahorgue, que é especializada em direito esportivo.
Uma punição mais severa aconteceria para demonstrações de desrespeito a direitos humanos, segundo ela.
A forma do protesto também é levada em conta na decisão da pena. Se foi um protesto espontâneo, no momento, o COI deve ser mais moderado. Uma manifestação planejada deve ser penalizada mais severamente.
Histórico de protestos nas Olimpíadas
Os historiadores consideram que os protestos nos pódios começam em 1968, na Cidade do México, quando dois atletas dos Estados Unidos, Tommie Smith (ouro) e John Carlos (bronze), levantaram os punhos no pódio durante a execução do hino do país deles.
Veja reportagem abaixo sobre o gesto histórico nos Jogos de 1968.
Protesto que marcou a história das Olimpíadas até hoje reverbera e provoca tensão
“Houve um período silencioso por muitos anos”, diz Lenskyj.
Ela cita uma manifestação nos Jogos de Sydney, em 2000, durante a cerimônia de encerramento, por parte de uma banda, e não por atletas. Os membros do conjunto Midnight Oil se apresentaram com camisas onde se lia a palavra “sorry” (desculpas).
Antes do evento, houve uma discussão sobre um possível pedido de desculpas, por parte do governo australiano, à comunidade aborígene pela prática de separar as crianças de suas famílias e entregá-las a instituições de ensino ligadas às igrejas (isso aconteceu no século 20).
Em 2016, no Rio de Janeiro, Feyisa Lilesa, da Etiópia, prata na maratona, cruzou os braços ao cruzar a linha de chegada.
Maratonista etíope Feyisa Lilesa, em 2016, nos Jogos do Rio de Janeiro
Athit Perawongmetha / Reuters
É um gesto feito pelo povo Oromo, de seu país, em protesto contra a repressão policial. Foi uma violação das regras do COI, mas o corredor não foi punido.
Nas Olimpíadas do Rio também houve manifestações de torcedores, que conseguiram levar faixas escondidas para os estádios.
Protestos nos últimos anos
Nos EUA, houve uma onda recente de manifestações em diferentes torneios. Elas foram iniciadas com um jogador de futebol americano, Colin Kaepernick, que passou a ouvir o hino do país apoiado em um joelho, numa forma de se manifestar contra o racismo e a violência policial contra negros.
Nos Jogos Pan Americanos de Lima, em 2019, dois atletas norte-americanos se apoiaram em um joelho em um gesto semelhante: Race Imboden, da esgrima, de arremesso de martelo, e Gwen Berry, de arremesso de martelo.
Pesquisa do COI
Para justificar sua regra, o COI divulgou um levantamento com mais de 3.500 atletas que mostra que a maioria deles (67%) é contrária às manifestações no pódio.
Simone Lahorgue, critica o dado: para ela, há uma representação muito grande de atletas de países onde os órgãos das modalidades são muito rígidos.
Lenskyj também desconsidera o levantamento do COI. Ela afirma que as perguntas foram formuladas de forma tendenciosa, para que o resultado fosse esse.
Temas de protestos
Os atletas afro-americanos e seus aliados deverão aproveitar a oportunidade dos jogos para protestar —o que, na verdade, já começou: em dois jogos de futebol feminino (Reino Unido contra Chile e EUA contra Suécia) e em uma disputa de futebol masculino entre Austrália e Argentina os atletas se apoiaram em um dos joelhos antes do jogo.
Jogadores da Argentina e da Austrália protestam em Tóquio, em 22 de julho de 2021
Kim Hong-Ji/Reuters
Uma reportagem do jornal inglês “The Guardian” publicada na quarta-feira afirma que o COI proibiu as fotos de protestos de atletas em redes sociais da entidade.
Lenskyj, da Universidade de Toronto, diz que outros temas têm uma chance de aparecer: ela cita a perseguição aos uigures, na China.
Uma outra questão pode ser motivo de protesto, mas ela afirma que acha improvável: a determinação de realizar jogos mesmo durante uma pandemia.
Cobertura negativa
O fato de a cobertura na mídia japonesa ser desfavorável à realização dos Jogos neste momento pode fazer com que o COI não puna os atletas que protestam, diz Lenskyj.
“O COI pode ignorar os protestos? É difícil saber. Sem os torcedores nos estádios, os Jogos são um espetáculo para a TV, e as cerimônias de medalhas são uma parte muito importante disso. Eles (os organizadores) podem fingir que não veem, mas precisam balancear isso com a pressão dos patrocinadores”, afirma ela.
Para o COI, o mais fácil é não ter que reagir a um protesto, diz a advogada Lahorgue, mas a entidade só deverá punir os atletas caso haja excessos. "O COI tenta fazer um controle prévio, mas é uma questão de liberdade de expressão, é um direito fundamental", afirma.
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Fonte: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/07/22/protesto-nas-olimpiadas-jogos-de-toquio-devem-ter-manifestacoes-politicas-mas-nao-se-sabe-ainda-quais-serao-as-consequencias.ghtml